Frankenstein
 



Frankenstein

por Solon Saldanha

Uma das obras mais impressionantes da literatura foi escrita por uma menina de apenas 18 anos. E ela fez isso ao ser desafiada. A jovem Mary Shelley passava férias na Suíça junto com dois poetas, ingleses como ela: Percy Bysshe - com quem se casaria mais tarde - e Lord Byron, proprietário da casa onde estavam. Foi quando uma tempestade muito forte se abateu sobre o local, mantendo-os presos na residência por algum tempo. Para ocuparem o tempo e em função da atmosfera daquele momento, Byron sugeriu que cada um dos três escrevesse um conto sobrenatural, com fantasmas. Mas, o texto dela demorou alguns dias para ser entregue aos outros. Só que ela foi muito além do sugerido: o que escreveu se tornou precursor de um novo gênero, unindo horror e ficção científica. Isso depois que, incentivada pelo namorado, ampliou o conto original e o transformou no romance Frankenstein (Frankenstein, or the Modern Prometheus).

A sua publicação ocorreu dois anos depois, no primeiro dia de 1818. No livro, um jovem estudante de medicina chamado Victor Frankenstein dá vida a uma criatura que monta a partir de cadáveres. Ao ser abandonado por seu criador mais tarde, o monstro começa a assimilar comportamentos e sentimentos humanos, o que permite que compreenda a sua própria e triste condição. Isso o revolta, fazendo com que se volte contra Victor. A obra, portanto, além de revelar o desejo do homem em transpor limites da existência, imitando e buscando suplantar a natureza, revela também aspectos psicológicos relacionados à rejeição e suas consequências.

Autores modernos que produzem neste gênero, entre os quais o mais destacado deles, Stephen King, apontam Frankenstein como a maior das referências. Escritores e cineastas ao longo do tempo criaram inúmeras adaptações da obra original. Mais de cinquenta delas, ao todo. Na telona, a primeira e talvez melhor de todas é de 1931, com a direção de James Whale. Neste filme, que talvez possamos chamar de "original", o ator que interpretou o monstro com maestria foi o excelente Boris Karloff (1887-1969). Nele há uma cena que de fato é chocante, mas ao mesmo tempo sintetiza a complexidade do personagem. Ele encontra a menina Maria próximo a um lago. A criança, na sua ingenuidade, não se assusta nem foge dele, como todas as pessoas faziam. Ao contrário, ela pega sua mão e fica brincando. Oferece algumas flores e joga uma das suas na água, para que ele veja que ela flutua. Ambos fazem isso, até que as flores se acabam. Como para ele a menina é como se também fosse uma linda flor, ele a joga na água supondo que também flutuará. Mas, a criança afunda e se afoga. A expressão de perplexidade, sua tristeza profunda e a confusão mental que lhe assalta ficam extremamente evidentes no rosto do personagem, graças à atuação magistral de Karloff.

Esta cena foi mais tarde cortada do filme. O estúdio achou que ela era forte demais. Entretanto, essa decisão tirou talvez um dos momentos mais emblemáticos da história, privando os espectadores daquilo que seria a essência de Frankenstein. Não havia maldade e sim desajuste proveniente da sua própria concepção. Um ser feito de retalhos mortos, sem alma e discernimento, sem conteúdo moral, sem capacidade de julgar. Naquele momento ele não personifica nem o bem, nem o mal. Ele apenas existe, sendo tanto algoz quanto vítima. Se trata de um ser que é incompleto e que busca compaixão, mesmo sem saber o que isso significa.

Podemos exagerar na generalização, mas não há quem não conheça a história de Frankenstein. Entretanto, o conhecimento em geral vem da oralidade ou do cinema, como coloquei acima. Ler a obra, menos gente leu do que deveria. E todos deveriam fazer isso. Pela originalidade, pela capacidade ímpar da autora, ao criar algo jamais antes imaginado. E devido ao profundo conteúdo humano que oferece. No fundo, somos todos um tanto imperfeitos e queremos na vida a aceitação dos outros.

 

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