A língua é viva, então por que a crítica?
 



A língua é viva, então por que a crítica?

por Luísa Aranha

Trago polêmicas, ou melhor, verdades (da minha cabeça). Outro dia estava lendo uma crítica, de um livro consagrado em prêmios literários e, apesar de muito positiva e enaltecendo a obra como ela merece, uma oração, que deve ter passado desapercebida por muitos de nós, me incomodou: “apesar da linguagem coloquial”.

Por que apesar, senhor crítico? A linguagem escolhida pelo autor, justamente, é o que aproxima a narrativa das personagens, da realidade social, do contexto histórico. Engraçado que ninguém critica a taubua de tiro ao alvaro, mas o escritor contemporâneo não pode usar desses recursos porque "está errado".

Palavras ganham novos significados, sem perder os signos, gírias são inventadas, a ortografia muda, as regras se atualizam, mas o escritor brasileiro tem que seguir a cartilha dos clássicos para ter credibilidade.

Até alfabetos novos são criados. Confesso que sou acho que aqui colocaria outra palavra em relação aos emojis, mas eles comunicam. Um dia alguém ainda vai criar uma narrativa longa feita apenas de desenhinhos, tal e qual no tempo das cavernas, mas com certeza, ao invés da genialidade da narrativa, o que vai destoar é a subversão da grafia, mesmo que Saramago faça isso e seja endeusado.

Alguns escritores batem a minha porta, depois de uma leitura crítica amarga, pela qual pagaram caro, para tentar entender onde estão errando. E, na maioria dos casos, eu penso que o errado foi quem leu. A crítica é sempre subjetiva, vai da bagagem de quem a faz. Infelizmente, alguns desses profissionais sobem em um pedestal e esquecem que muitos dos autores que hoje endeusam foram rechaçados em suas épocas.

Em uma aula, Marcelo Spalding disse que precisamos olhar o passado com os olhos do passado em uma narrativa realista. E hoje eu digo, senhores críticos, olhem a literatura do presente com os olhos do presente. Machado não seria de Assis se vivesse em 2023. Lobato estaria sendo processado, Guimarães tachado de prolixo, Bilac misógino e estes senhores teriam seus nomes substituídos por Julia Lopes de Almeida, Albertina Bertha e Narcisa Amália, mulheres que vossas críticas apagaram da história da literatura.

Se queremos que todos escrevam da mesma maneira, seguindo receitas antigas, sem criatividade, nos tornando zumbis adoradores de um passado que não faz o menor sentido, então por que temos tanto medo da inteligência artificial? Chega a ser cômico, ver os mesmos que criticam textos originais, molhando as calças com medo de perder seus lugares de poder para as máquinas.

Doeu? Pega no colo que é teu . O problema não são os textos, que se adaptam a linguagem das suas gerações, o problema é esse vazio existencial que nos consome e faz alguns de nós seguirmos achando que no passado era melhor, quando o presente é tudo que realmente temos.

Críticas literárias são sempre bem- vindas, só precisamos atualizar as lentes de alguns (muitos!) profissionais.

 

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