Imparcialidade é um conceito polêmico mas fundamental não apenas para quem faz jornalismo ou trabalha com comunicação, como também para quem é acadêmico, afinal a imparcialidade é muito importante em qualquer tipo de investigação ou pesquisa. Mas o que é imparcialidade? É possível alguém ser imparcial?
Ser imparcial é, em primeiro lugar, não ter conclusões pré-concebidas. Quando nós vamos, por exemplo, fazer um mestrado sobre a importância da crônica, nós não podemos iniciar o mestrado para provar que a crônica é um gênero muito importante, ou para provar que a crônica é um gênero mais popular do que o romance. Nós precisamos fazer um mestrado para investigar se a crônica é mais popular do que o romance, para investigar se a crônica é um gênero muito lido hoje.
O importante, portanto, é que se comece uma pesquisa ou investigação sem conclusões pré-concebidas, sem conclusões anteriores à própria pesquisa. E isso, é claro, vale muito para o jornalismo. Como é que o repórter vai fazer uma pauta para investigar se há corrupção em determinado órgão se ele já vai predisposto a encontrar a corrupção em determinado órgão?
Ser imparcial também é tentar ser objetivo e não subjetivo, os conceitos de imparcialidade e objetividade andam muito próximos. E será que é possível não sermos subjetivos? Segundo o Manual de Redação da Folha de São Paulo, no capítulo Procedimentos, "não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões, em larga medida, subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções. Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais objetivo possível. Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e as repercussões, o jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza, o que não significa apatia nem desinteresse. Consultar outros jornalistas e pesquisar fatos análogos ocorridos no passado são procedimentos que ampliam a objetividade possível."
Eu gosto muito desse conceito de objetividade possível, da busca pela objetividade. É claro que nós não vamos ser 100% objetivos ou 100% imparciais. No verbete eles usam o conceito de objetividade mais como um conceito de imparcialidade do que de objetividade, mas então me parece que nós não conseguimos ser 100% objetivos ou imparciais, por outro lado, nós podemos fazer a busca dessa imparcialidade, nós temos que tentar ser imparciais, temos que buscar ser imparciais.
Ser objetivo, vale dizer, é focar no objeto e não no sujeito que escreve. Se vou falar sobre o preço de um restaurante, não vou dizer que restaurante é caro. Caro e barato depende do sujeito. O que é caro? Um almoço de 50 reais é caro? Num dia de semana talvez seja caro, num fim de semana talvez não seja. Deve-se, então, dizer que o restaurante custou 50 reais, ou custou 100 reais. E custou 50 reais para o prato X, para o prato Y, isso é tentar ser objetivo. Quando nós vamos nos referir, por exemplo, a Nelson Mandela, se dissermos "Nelson Mandela, o melhor Presidente da África do Sul", já é subjetivo. O melhor presidente na minha opinião, a não ser que eu diga "Segundo pesquisa tal", "Segundo a ONU", etc. Agora se eu disser "Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul" ou "Nelson Mandela, Prêmio Nobel da Paz", eu estou sendo objetivo, factual, eu estou olhando para o objeto e não olhando apenas para o sujeito. Então objetividade tem mais a ver com o foco no objeto, nos fatos, nos dados, do que com foco no sujeito.
Ser imparcial é, ainda, ouvir todos os lados. À medida que nós não conseguimos ser 100% imparciais, afinal de contas, a escolha dos temas, a escolha da frase já tem um grau de subjetividade nela, o ideal é que a gente consiga ouvir diferentes visões do mesmo fato. Só que hoje, nesse mundo pós-moderno, a gente já sabe que os fatos não têm dois lados. E mais ainda, será que a gente precisa ouvir alguém que é a favor de acabar com a floresta amazônica? Possivelmente, não. Não tem dois lados na discussão ambiental, por exemplo. Então é importante a gente tentar ouvir vários lados, olhar diferentes perspectivas para que o leitor tire suas conclusões, para que o leitor tenha um mosaico de informações e de opiniões e eles possam, então, com discernimento, tirar suas próprias conclusões. Agora, a gente tem que lembrar que nem sempre há dois lados apenas, é possível que haja múltiplos lados da mesma questão e, em outro sentido, existem temas que talvez caiba a polêmica, talvez não caiba ouvir o outro lado.
Por fim, está muito em voga hoje o conceito de transparência. Uma vez que admitindo a impossibilidade de sermos imparciais, é importante que nós tenhamos transparência com o leitor, com o espectador, com o ouvinte. Então, que se diga de cara: "Olha eu estou escrevendo para um jornal que está sendo processado pelo juiz tal", "Estou escrevendo para um jornal que recebeu apoio do fulano de tal". A transparência vem para ajudar nesse sentido, ela seria o quarto elemento na busca pela imparcialidade, quase que admitindo: "Já que é impossível nós sermos imparciais, vamos, também, tentar trazer de onde nós estamos falando, qual o nosso ponto de partida, para que o leitor possa fazer o seu filtro daquilo que é dito".
Para fechar, a imparcialidade, então, existe. Ela é uma busca, individualmente ela sempre é algo difícil de se encontrar, mas é dever do repórter e do pesquisador que age, claro, com honestidade intelectual, buscar a imparcialidade. Por outro lado, é importante lembrar que uma coisa é pensar no conceito de imparcialidade para o indivíduo, outra coisa é pensar no conceito de imparcialidade para um veículo, para um jornal, para uma empresa. As empresas têm tentado aumentar um pouquinho mais a sua imparcialidade criando mais lados nas discussões, tendo pessoas com perfis diversos nas redações, como colunistas ou nos conselhos das empresas. A diversidade, pensando socialmente, é uma forma de se tentar diminuir a parcialidade inerente a todos nós.
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