Há alguns anos fui no restaurante mais chique da minha vida. Pessoas perfumadas, muitos talheres e jantar em várias etapas: entrada, prato principal e sobremesa.
Comi o pãozinho com manteiga e depois chegou o arroz com frutos do mar. Dei uma colherada no camarão e senti a primeira cólica. Corri para o banheiro. Pela primeira vez na vida, o masculino tava ocupado e o feminino vazio. Eu era o primeiro da fila:
— O cara morreu lá dentro?
— Comeu cobra e esqueceu de tomar água.
Eu tava a três segundos de fazer nas calças e a porta mais fechada que a de um submarino. Entrei no feminino e me aliviei. No que levantei a cabeça, o horror! Papeis higiênicos usados espalhados por tudo, vaso entupido, descarga travada:
— E aÃ, vai demorar muito? — Uma voz feminina do lado de fora.
— Já tô saindo!
Correu um murmurinho:
— Era só o que faltava!
— Era voz de homem?
A pia era do lado de fora, o masculino estava livre e tinha fila de mulheres. Saà de cabeça baixa sentindo os olhares me fuzilando. Duas mulheres entraram juntas no banheiro:
— Que nojo!
— Olha o que aquele escroto fez no nosso banheiro!
Olhares femininos de ódio foram lançados contra mim até o final do jantar. Ao pedir a sobremesa, achei que até a garçonete me acusava. Na hora da saÃda, já fila do caixa, ainda ouvi de longe:
— Esse aà é o porco que eu te falei.
— Canalha!
Saà de lá e nunca mais voltei.
Lembrei deste causo no último sábado, quando fui ao café do térreo da Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. Lá os banheiros são unissex, limpos e as filas quase não existem.
Além disso, o preconceito com este assunto fez algumas pessoas decidirem seu voto baseando-se numa Fake News nas eleições do ano passado.