Confronto não é conflito
 



Confronto não é conflito

por Solon Saldanha

A afirmação que faz o título pode não parecer tão óbvia, uma vez que em determinadas oportunidades os conceitos até mesmo se confundem. Entretanto, basta examinar as definições constantes nos dicionários para que se veja que existe alguma distância entre elas. As quatro primeiras letras até são as mesmas, mas enquanto o confronto está muito mais para disputa, cotejo e antagonismo – ou até mesmo acareação –, no conflito as vias de fato são mais evidentes. Neste combate, contenda, refrega, choque e escaramuça.

Quando ainda estamos na fase do confronto, se pode evitar o conflito. Se há oposição de ideias, necessariamente se tem confronto. Mas o conflito só aparece quando a beligerância vence, quando cessa a possibilidade de diálogo. De um confronto pode nascer algum consenso. Do conflito, no máximo um "cessar fogo". O confronto pode ser caminho para evolução, havendo um mínimo de humildade e respeito. Não há uma nem outro quando o conflito se estabelece. Quando alguém confronta quer vencer; quem conflita deseja aniquilar.

A política é um excelente exemplo de campo de confrontos. Por isso há espaço nela para o debate, o acordo e a aliança. Coisas essenciais para a existência da democracia. Mas, na política partidária brasileira, o que tem prevalecido é o conflito, especialmente de 2016 para cá, algo que se agravou depois de 2018. E agora um guri cuspiu no chão na frente do outro, chamando para a briga. Educado para ser "machão", mas por via das dúvidas confiando que outros, que estão por perto, possam apartar se ele estiver perdendo a briga, uma vez que o adversário é muito mais forte. E o uniforme do mal educado e seus amigos não é o da escola, mas verde-oliva.

No futebol também existem confrontos. Em qualquer partida disputada eles se estabelecem. Ambos os lados e suas torcidas são capazes de apresentar argumentação consistente pelas quais a vitória ao final do jogo deva ser sua. E existem regras, que a arbitragem é encarregada de aplicar, observando lisura. Quando brigam em campo ou mesmo nas arquibancadas e nas ruas, deixa de ser confronto e vira conflito. Para os envolvidos nesses casos, outras são as normas que devem ser aplicadas, com muito maior rigor.

Muito importante é destacar que o futebol é democrático, mesmo sendo desigual. Existem clubes que são verdadeira potência econômica, fator que amplia muito suas chances de vitória, uma vez que contratam os melhores atletas. Mas os menores não estão proibidos de vencer, o que conseguem com frequência relativamente alta, inclusive. Dentro das quatro linhas as regras são idênticas para os dois lados. Na vida fora do esporte em tese também são iguais aquelas normas que regem todos os membros da sociedade. Mas enquanto no jogo a aplicação da lei é quase instantânea, fora dela isso não ocorre. O que acontece é que existem falhas em ambas as circunstâncias, sendo as da "vida real" ainda mais prováveis e de consequências mais danosas.

Triste é quando antes do confronto um dos lados resolve vender aos seus seguidores suspeitas de roubo. Resolve afirmar que a arbitragem é desonesta, que há "cartas marcadas", que o resultado final só terá valor se o favorecer. É o absurdo de apontar duas possibilidades de resultado: ou se confirma vitória sua, ou fica caracterizado que houve fraude. Isso é o mesmo que ameaçar com conflito, se não vencer no confronto. Um recurso adicional e relativamente novo, no futebol, está no uso do VAR. Nas eleições, esse papel de fiscalizador da lisura caberá ao TSE, que está preparado para evitar mentiras, abusos e a reação dos maus perdedores. Quem ganhou na última vez vive reclamando: imaginem do que serão capazes se desta feita vier a derrota provável.

 

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