Em 2021, comemoramos os 120 anos do nascimento de Walter Spalding, que nasceu em São Jerônimo/RS no dia 28 de outubro de 1901 e faleceu em 5 de junho de 1976, deixando uma vasta bibliografia que abrange os mais variados setores. É fácil perceber que a sua carreira não se limitou a poucos papéis. Foi historiador, professor, jornalista, poeta, cronista, contista, dramaturgo e ensaísta, destacando-se como pesquisador da história de Porto Alegre, com livros e várias crônicas em jornais e revistas.
Com mais de duzentas obras publicadas, entre livros e artigos, Walter Spalding foi um dos intelectuais e historiadores mais influentes de sua geração no estado. Sua carreira começou como bibliotecário no Arquivo Municipal de Porto Alegre, onde ficou por um ano. Em 1939, assumiu como diretor do Arquivo e Biblioteca Pública de Porto Alegre, aposentando-se em 1963. Neste cargo, criou o Boletim Municipal, buscando levar a documentação às mãos de outros pesquisadores, divulgando também os atos do governo municipal e ensaios de história local.
Durante a sua trajetória, colaborou com o jornal Correio do Povo, com jornais cariocas e revistas especializadas de história, geografia e folclore, nacionais e estrangeiras. Foi organizador do Pavilhão Cultural da Exposição Comemorativa do Centenário Farroupilha em Porto Alegre, em 1935. Foi membro da Academia Rio-Grandense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRS) e do Instituto Brasileiro de Genealogia.
Foi diretor da imprensa oficial da Prefeitura de Porto Alegre entre 1939 e 1943, manteve ligações com grupos tradicionalistas e participou da formação de uma mitologia sobre o gaúcho e dos debates sobre a identidade regional. Foi um dos principais debatedores no processo de definição da data oficial de fundação de Porto Alegre.
Em 1978, foi homenageado como patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, em uma época em que os patronos eram apenas in memoriam. Seu nome batiza uma rua na cidade. A Biblioteca Walter Spalding do Museu Joaquim José Felizardo preserva sua coleção de livros.
O bibliógrafo Pedro Leite Villas-Boas relacionou 130 obras de Walter Spalding, entre livros, dramas, ensaios em revistas e boletins, excluindo grande número de artigos esparsos em jornais, comprovando sua dedicação à pesquisa e aos estudos da história. Essa longa bibliografia iniciou na escola com os primeiros versos, como a maioria dos brasileiros. Depois vieram as crônicas, os contos, a crítica literária e a dramaturgia.
Principais obras
Farrapos (1931/1932)
Poesia do povo (1934)
Manuscrito nacional (1936)
A revolução farroupilha (1939)
El sistema lacustre sud-riograndense-oriental (1939)
Esboço histórico do município de Porto Alegre (1940)
A invasão paraguaia nas fronteiras do Brasil (1940)
Farroupilha e Caramurus - a brasilidade dos farrapos (1944)
Pecuária, charque e charqueadas no Rio Grande do Sul (1944)
O Brasil na cartografia e na lenda (1945)
O cruzeiro do sul - contos infantis (1947)
Gênese do Brasil-Sul (1953)
A grande mestra: Ana Aurora do Amaral Lisboa (1953)
Tradições e superstições do Brasil-Sul (1955)
Farrapos - 2ª edição ampliada (1957)
A história e a lenda (1957)
Epopeia Farroupilha (1958)
Dois Vultos da História Gaúcha: Xavier Ferreira e Onofre Pires (1958)
A Epopeia Farroupilha (1963)
Pequena história de Porto Alegre (1967)
Construtores do Rio Grande (1969)
Uruguaios no Rio Grande do Sul
Revolução farroupilha: biografias (1987)
Em 1931, Spalding publicou Farrapos, coletânea de contos com referências a episódios e figuras da Guerra Civil dos Farrapos (1835-1845). Como ele citava documentos para criar muitos dos seus contos, que têm como heróis personagens reais da guerra civil, é comum alguns leitores acharem que a obra se trata da história e que os diálogos aconteceram de verdade.
Conforme Moacyr Flores, o autor usava uma linguagem simples e plena de força e lances épicos. A criatividade literária dos fatos não consta em documentos, a agilidade de diálogos como nos episódios de Corsários ou Bento Gonçalves e Pedro Boticário, ou Combate de Rio Pardo dão realce e vivacidade ao texto.
Em 1932, Walter Spalding foi reconhecido pelos seus trabalhos no campo da história, passando a fazer parte do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Pertenceu também à Academia Rio-Grandense de Letras.
Spalding escreveu biografias, historiografia e estudos sociológicos sobre a formação da estância. A busca do herói, a exaltação dos feitos e o destaque do anedótico inserem Spalding na corrente histórica dos seguidores do inglês Thomas Carlyle (1795-1881), que ainda existia no Brasil. Seu discurso, na mesma linha do nacionalismo da Era Vargas, continuou influente por décadas.
Dentro do ciclo da história farroupilha, Spalding publicou, em 1939, História da Revolução Farroupilha, reeditada em 1958 com título Epopeia Farroupilha, e, como o próprio autor dizia, não é segunda edição daquele, mas obra nova, e estudo definitivo sobre o memorável decênio.
Spalding escreveu sua obra definitiva sobre a Guerra Civil, dividindo-a em quatro partes. Na primeira, relacionou os chefes farroupilhas, destacando que eles não eram republicanos e nem separatistas por não terem proclamado a república em 20.09.1835, mas somente um ano depois, conforme afirmação de Olyntho Sanmatin e de acordo com a política de nacionalização de Getúlio Vargas.
Publicou em 1944 Farroupilhas e caramurus a brasilidade dos farrapos, apresentando um resumo da história militar do Rio Grande do Sul. A segunda parte apresenta bibliografia comentada sobre a Guerra Civil dos Farrapos. Sem dúvida, Spalding se encontrou mais profundamente na pesquisa histórica. Era um historiador que baseava suas buscas da verdade, de forma autodidata. O seu diferencial está justamente aí: sem ter formação específica de historiador, mergulhou em arquivos e museus buscando reconstruir a história, considerada por ele como uma ciência sagrada, aliada à arte, conforme ensinamento de Augusto Comte, como consta na sua apresentação escrita no Boletim Municipal nº 1.
O Boletim Municipal circulou de 1939 a 1946, em edição semestral, num total de 10 volumes. Suas páginas transcrevem paleograficamente documentos da Câmara de Vereadores, sobre a independência do Brasil, propaganda e instalações da República, mapas, fotografias antigas e notícias do bicentenário de fundação da cidade festejado em 5.11.1940. Há também ensaios e monografias de autores renomados da época.
A maior parte da documentação do Município de Porto Alegre estava nos porões da Prefeitura e foi destruída pelas enchentes de 1926 a 1928. Segundo o próprio Spalding, pessoas com desprezo ao patrimônio histórico venderam documentos como papéis velhos. O que sobrou foi classificado e estudado por ele. A publicação de parte destes documentos no Boletim Municipal foi capaz de dar um lugar de destaque na historiografia municipal a Spalding. Seus ensaios e monografia sobre a cidade servem de ponto de partida para os historiadores de novas gerações. Inclusive, em 1943, a monografia Município de Porto Alegre, de sua autoria, foi premiada no concurso de monografias municipais realizada pelo Conselho Nacional de Geografia.
Em 1967, a Editora Sulina publicou Pequena História de Porto Alegre, de Spalding. Como a obra destina-se aos professores primários, o plano do livro é descritivo e cronológico, sem crítica e comentários. Spalding não se esqueceu dos pequenos, preparou a História de Porto Alegre para a infância e juventude, editada em 1975, contada pelo índio Caray.
Walter Spalding, assim como Olyntho Sanmartin, considerava a história como um tipo de literatura, apesar de, na teoria, não ser considerada dessa forma. Um dos grandes diferenciais de Walter Spalding foi ter se dedicado à investigação histórica quando a maior parte dos historiadores da época não consultava arquivos e escrevia conforme suas opiniões e criatividade.
Segundo Magda Spalding, neta de Walter, ele viveu para a escrita, para a história, para a educação e para a família. Tinha o hábito de todos os dias atravessar a rua e ir dar o almoço ao neto mais novo. Meu avô não era muito de falar em sentimentos, mas expressava sua paixão pela literatura em ações e desejos. Passava um bom tempo lendo e demonstrava sentir uma paz imensa naquele momento. Quando conversava com escritores, alunos, alguém que ia entrevistá-lo, era entusiasmado e firme em suas opiniões sobre datas e acontecimentos.
Para Magda, os maiores legados que ele deixou para a família foram o amor pelos livros, pela educação e pelo conhecimento, tanto que ela é professora municipal aposentada, formada em Licenciatura Plena em Letras. Outro importante legado deixado por ele foi a honestidade, a responsabilidade e vício no trabalho. Hoje vejo que passei isso para meus 3 filhos, e sei o quanto ele contribuiu para eles serem o que são. Sou eternamente grata a ele e minha avó, meus HEROÍS, meus ÍDOLOS.
Para finalizar, Marcelo Spalding fala sobre o bisavô: Não convivi com Walter Spalding, falecido antes do meu nascimento, mas seu nome sempre foi uma referência para mim, pois apontava possibilidade, me fazia acreditar que sim, era possível eu me tornar um escritor. Embora não muito popular, sua obra foi de grande influência em sua época (meados do século XX) e sempre ouvi de grandes mestres como Assis Brasil e Moacyr Flores elogios à sua atuação como escritor, professor e pesquisador.
No mês dos 120 anos de seu nascimento (28/10/1901), é com renovada alegria que reavivamos sua memória e seu legado, pois é essa memória permanente o que no fundo deseja todo escritor.