A mimese é um conceito da Antiguidade Clássica que remonta a ideia de imitação, representação, da realidade. Aristóteles, em sua obra intitulada "Poética", desloca esse conceito para escrita, e intitula a arte como uma representação do mundo.
Pensando que a crônica se apropria de outras linguagens, com seus limites e contornos borrados, passando por outros gêneros, como a crônica conto e a crônica artigo, a crônica mimética faz um passeio bem mais abrangente. Ela sai dessa dicotomia da "combinação" de dois gêneros e perpassa por todos os (infinitos) gêneros, se apropriando deles.
É importante salientar que "a crônica mimética não se torna de outro gênero, ela se parece com outro gênero aos olhos de quem vê. Na essência ela continua sendo uma crônica, mas na forma ela é outra coisa", destaca o cronista e professor do Curso de Formação de Escritores, Rubem Penz.
A paródia também se trata de uma imitação e, inclusive, é um conceito ao qual estamos mais familiarizados, no entanto, há um objetivo satírico e/ou jocoso ao se valer de uma obra (literária, teatral, musical) já existente. A crônica paródia é um terreno para experimentação, afirma Rubem, podendo se apropriar da história em sua totalidade, da trama, ou das personagens.
Quando conhecemos as definições de cada uma dessas crônicas, fica nítida a impossibilidade de confundi-las, uma vez que a mimética se vale da forma, das características de outro gênero (receita culinária, bula de remédio, ata de reunião, prece, fábula) para ser escrita, enquanto a paródia se vale do conteúdo de outras obras (as personagens Romeu e Julieta, a história da Arca de Noé, os conflitos em Dom Casmurro).
Por dentro da crônica mimética
Não esqueça destes pré-requisitos para a crônica mimética: ela se fixa na forma, serve-se de um modelo já existente, é pegar a sua história e colocar em um molde. Pense no exemplo acima, da receita culinária: é esperado que ela tenha, ao menos, os ingredientes e o modo de preparo, então a sua crônica deve seguir essa estrutura.
Rubem também atenta para a utilização de preces e fábulas. "Não é fazer um Pai-Nosso ou copiar a fábula dos Três Porquinhos. Eu faço uma prece criada por mim, mas começo ela com "Senhor" e termino com "Amém"; eu dou voz e sentimentos a [outros] animais e seres inanimados".
Há algumas regras importantes para garantir a qualidade da crônica mimética: perfeição, reconhecimento e criatividade. A busca pela perfeição é dominar o jargão do gênero a ser mimetizado, é conhecer como ele funciona, seus pormenores, uma vez que sempre terá algum leitor que irá conhecer o formato e a linguagem melhor do que você ? e "gente precisa que até essa pessoa seja convencida", destaca Rubem. O cronista traz o exemplo da ata de reuniões, você sabia que ela não tem quebra de parágrafo? E se ela não tem, a sua crônica mimética também não terá, caso a use como molde.
Mimetize textos reconhecíveis, estruturas que as pessoas estão familiarizadas e reconhecem com facilidade: horóscopo, previsão do tempo, manual de instruções, listas, telefonema, e-mail. Por fim, utilize da criatividade, traga humor, refinamento, flexibilidade; surpreenda o leitor, a forma que você escolher se apropriar irá modicar o seu conteúdo, dar um toque novo a ele.
Por dentro da crônica paródia
O pressuposto da paródia é satirizar, se apropriar, do conteúdo, servir-se da história ou de partes dela, como o enredo ou personagens. Trazendo novamente o exemplo da prece, dessa vez, escolhe-se uma já existente. Rubem Penz cita como exemplo a crônica de um de seus alunos, que ao fazer a paródia, trocou a conhecida "Ave, Maria" por "Aff, Maria".
A regra da crônica paródia, que também vimos na mimética, é a questão do reconhecimento: utilizar dos clássicos para fazer essa imitação humorística. Rubem Penz tem uma crônica paródia da famosa canção de ninar "O Cravo e a Rosa", a transformando em um enredo narrativo; veja que a crônica paródia não se detém pela forma, podendo-se desmontá-la ou utilizá-la.
Chico Anysio, Jô Soares, TV Pirata, Casseta & Planeta, Tá no Ar e Porta dos Fundos são alguns bons exemplos de produção de paródias, ressaltando que a paródia não está a serviço de um meio específico. Mas pensando na escrita da crônica, é importante lembrar que "as obras, normalmente, são maiores que uma crônica, e isso é um problema. Quando a gente tem coluna física no jornal, a gente tem que escolher muito bem o texto a ser parodiado, ou transformá-lo, adaptá-lo, a coluna. A crônica é um texto breve", destaca e relembra Rubem.