A personagem na literatura de ficção segundo Luiz Antonio de Assis Brasil
 



Dica de Escrita

A personagem na literatura de ficção segundo Luiz Antonio de Assis Brasil

Kethlyn Machado


Ao ler meus livros de ficção, sempre me interessei mais pelos personagens do que pela história em si. Fico fascinada em saber como eles são, como se relacionam entre si e com o mundo ao seu redor. Frequentemente, anseio por diálogos e interações que mostram como um personagem percebe o outro e como a dinâmica entre eles funciona, como suas personalidades coexistem. Há personagens tão marcantes que me pego pensando neles por dias, semanas e até meses, mesmo depois que a história terminou. É como se eles se tornassem pessoas reais na minha vida, devido à intensidade dos meus sentimentos de saudade, identificação e compreensão.




Em "O personagem, o poderoso da história: O personagem como irradiador da narrativa", capítulo do livro "Escrever Ficção" de Luiz Antonio de Assis Brasil, publicado em 2019 pela Cia das Letras, o autor discorre sobre o papel crucial das personagens dentro do romance. Segundo Assis Brasil, o personagem central é o que impulsiona a narrativa, pois sua caracterização e descrição permitem que a história aconteça. É necessário que o personagem seja complexo e profundo, com motivações fortes, além de mostrar constância e desenvolvimento ao longo da trama: "é o personagem, quando bem construído, que dá sentindo a tudo que acontece na história". Além disso, aspectos físicos e psíquicos da personagem, bem como linguagem verbal e não verbal, contribuem para a construção de um bom personagem. Também é importante que o personagem central interaja com os personagens secundários, pois eles são essenciais ao seu desenvolvimento.

Um dos motivos que me faz conectar tanto com os personagens da literatura de ficção e deles se fazerem tão memoráveis é o fato de ser possível uma identificação, apesar do caráter ficcional. Assis Brasil aborda esse aspecto quando diz que o autor, além de criar personagens, deve criar pessoas vivas, autênticos seres humanos: "para em certo capítulo de um romance que esteja lendo e pense o que faria se fosse esse personagem. Se ele for verdadeiro, poderemos arriscar uma resposta baseada no que conhecemos dele, e esse é um dos indícios de que estamos diante de uma narrativa em que podemos acreditar". Essa humanidade é alcançada quando o personagem é constante em suas condutas, quando essas estão de acordo com sua personalidade.

Manter uma constância em relação ao aspecto psicológico do personagem é essencial, pois suas motivações devem ser fortes o suficiente para dar continuidade à trama, os traumas e as vivências são o que moldam sua personalidade e justificam suas ações durante o enredo. No entanto, embora o personagem deva manter essa constância, ele não é estático, pois como nós, tem um desenvolvimento e superação gradual de suas questões - que, muitas vezes, ocorrem em razão da interação com os outros personagens. É necessário ser consistente em suas ações, pois mesmo quando, para o leitor, suas ações possam parecer contraditórias, o autor está ciente de todas as nuances do personagem, visto que construiu toda sua personalidade anteriormente e para ele não são uma novidade - para Assis Brasil é uma mistura de "surpresa aliada à inevitabilidade".

Ademais, é importante conferir características únicas aos personagens, que vão além dos traços convencionais, critério indispensável para a criação de um personagem memorável. "À sequência esperável que decorre de "morena, mimosa" (por exemplo, algo como "encantadora"), o ficcionista acrescenta uma característica estranha, informando-nos que Maria Eduarda era "um pouco adoentada". É esse choque de realidade que a faz existir", escreve Assis Brasil. Esse trecho nos mostra como ocorre essa combinação do costumeiro com o diferente, em que o personagem possui pontos em comum com outros personagens da literatura, mas também tem sua individualidade que o destaca diante deles.

Além dos aspectos apontados pelo autor para a construção de um bom personagem, é fundamental compreender que o personagem central é a base da narrativa. Uma trama centrada em ação e reviravoltas pode até prender a atenção do leitor no momento, mas dificilmente consagrará a obra a longo prazo, já que é fácil esquecer a sequência dos eventos. Por outro lado, personagens bem desenvolvidos e complexos permanecem na memória por tempo indeterminado e são a razão pela qual o leitor se envolve tanto com a história e a recomenda para outras pessoas.

Ler este capítulo da obra do Assis Brasil me fez entender melhor a minha paixão por personagens como Kaz Brekker e Inej Ghafa, afinal eles realmente podem se tornar tão grandes quanto a obra em si. E agora que me encontro nesse processo de leitora para escritora iniciante, me deparar com tais dicas foi fundamental para que eu, futuramente, possa construir personagens tão consolidados quanto esses que eu admiro. Indico fortemente a leitura do capítulo na íntegra para aqueles que desejam começar na escrita ficcional ou que buscam aperfeiçoar seus personagens. A leitura também é interessante para quem se vê apenas como leitor, já que permite entender o processo de criação dos autores, o que provoca um novo olhar perante as obras.

 

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