Inegavelmente, a autoficção é um gênero literário com o qual muitos escritores se identificam e muitos leitores também. Inclusive, alguns acabam optando por começar a escrever sobre experiências pessoais achando que é um meio mais fácil, já que são histórias reais e sobre si mesmos.
Porém, ao escrever, precisamos voltar nosso olhar para aqueles acontecimentos, ressignificá-los muitas vezes e trazê-los à superfície. Assim, se deparam com um processo que pode incluir dificuldades, dores e desconfortos, mas que, ao mesmo tempo, sempre oferece a oportunidade de se conhecer melhor.
A fim de aprofundar este tema, Baseado em fatos reais Dicas para escrever autoficção, entrevistamos as autoras Bruna Agra Tessuto, Lúcia Glaci Votto Totaro e Luciane Bernardes, que se dedicam à autoficção e enxergam nela ainda mais benefícios. Lembrando que Bruna é autora de os bastidores de Emma, Lúcia publicou O último abraço que não te dei e Luciane escreveu Sofá Azul.
Para começar, perguntamos sobre os maiores desafios de se escrever autoficção. Veja as respostas das autoras.
Bruna apontou a importância de se aceitar que nem tudo o que aconteceu na vida precisa entrar na escrita. Isso às vezes é difícil porque estamos emocionalmente conectados com os detalhes da história. Mas quando transformamos a vida em ficção, precisamos focar no que é realmente importante para a trama fluir.
Já Lúcia lembrou que no seu livro, escrito sobre a morte trágica de uma de suas filhas, o maior desafio foi enfrentar o sofrimento que o fato e o próprio título imprimiam em sua alma. Tanto é que a autora, durante os exercícios propostos no curso de escrita da Metamorfose, sempre se esquivava do fato, embora não totalmente do tema. Com a ajuda da editora, Lúcia foi detalhando cada vez mais a história e se permitindo acessá-la mesmo diante de tamanha dor e saudade.
Nos textos de autoficção anteriores ao livro, a dificuldade maior por parte de Lúcia ficava por conta de uma frase, cuja autoria ela não lembra, citada na oficina sob orientação de Valesca de Assis: Às vezes é preciso desistir de uma bela história para preservar uma amizade.
Para Luciane, o maior desafio em escrever autoficção é a necessidade de o autor se distanciar dos fatos. Considero importante para que a escrita não fique comprometida de forma demasiada pelos nossos próprios julgamentos. É quase inevitável que as nossas crenças e valores não se revelem, porém, é preciso deixar um espaço para o leitor criar suas próprias conclusões. Então, se os fatos ainda estão muito presentes, guarde as histórias por um tempo até que seja possível contá-las.
Quanto aos motivos pelos quais as autoras gostam deste gênero literário, confira o que elas apontaram.
Para Bruna, é uma sensação de catarse. Uma forma de elaborar questões, refletir sobre os acontecimentos, organizar aquilo que está bagunçado em nós. Além disso, é a chance de brincar de ser Deus: podemos fazer o que quisermos com os fatos. Na vida, não temos muita escolha diante dos acontecimentos. Mas quando começamos a escrever sobre o que aconteceu, podemos, vejam só, mudar tudo!.
Na mesma linha, Luciane divide esse sentimento. Para ela, escrever sobre fatos reais é, de certa forma, uma vingança. Ao escrever temos a liberdade de mudar a história. Tal como os roteiros de Quentin Tarantino, que sempre deixam margem para vingar a realidade por vezes tão insólita.
Além disso, Luciane ressalta que escrever sobre fatos da sua vida é um ato terapêutico, serve para ressignificar as experiências vividas. Ou seja, uma forma de cura e de libertação.
Já Lúcia prefere este gênero porque acha os enredos da vida muito ricos. A escritora sente como um compromisso o desejo de salientar essa riqueza duradoura, que satisfaz e faz pensar. A ficção pura não se sustenta. Sempre temos que criar um novo herói, complicar o anti-herói, repetir tramas com roupagens diferentes para parecer que é uma nova história. Escrever sobre fatos é como revisitar um álbum de fotografias.
Para finalizar, as autoras deram dicas para quem deseja escrever utilizando fatos reais.
Bruna sempre diz para as pessoas não terem medo de fazer alterações na história, de adaptá-la. Fazer isso não significa que estamos traindo a realidade. Significa que entendemos que a literatura precisa ser verossímil, mesmo que a vida não seja.
Lúcia aconselha defender, com todos os argumentos, os pontos que a pessoa considera importantes para a sua história. Ainda frisa: Não permita que políticas corretas definam a tua história. Ela é tua. Somente tu sabe sobre o que ela deve versar ou não.
Por fim, Luciane lembra da importância de escrever sem se preocupar se o texto será lido ou não ou quanto ao julgamento que terá. Segundo ela, tudo o que nos acontece, do trivial ao extraordinário, pode ser escrito, seja em prosa ou em poesia. Então, escreva! Mas prepare-se, é um "striptease", faz com que a tua vulnerabilidade fique exposta. E é aí que acontece a mágica: o leitor se reconhece, se identifica. Então essa vida passa a não ser só sua.