Se você nunca ouviu falar sobre fluxo de consciência e monólogo interior ou se não sabe exatamente o que são na prática, hoje você vai entender como esses recursos podem ser utilizados na escrita de um texto e quais são as vantagens para quem o escreve e para quem o lê.
Fluxo de consciência e monólogo interior são técnicas narrativas utilizadas pelos escritores para descrever pensamentos e sentimentos que estão no seu consciente. Primeiramente, vamos falar sobre cada uma dessas técnicas e, num segundo momento, abordaremos as principais diferenças entre elas.
A fim de aprofundarmos este tema, convidamos o escritor e crítico literário Luiz Paulo Faccioli, cujas contribuições estarão presentes durante todo este texto.
O que é fluxo de consciência
Ao contrário do que se pode pensar, o termo fluxo de consciência não foi inventado pela e para a literatura. William James, importante filósofo e psicólogo americano, na obra Os princípios da Psicologia (1890), foi quem trouxe o conceito ao mundo: uma forma de explicar a característica contínua dos nossos pensamentos.
Com o tempo, o termo foi adotado pela literatura e não parou mais de ser utilizado, juntamente com o monólogo interior, por muitos escritores do Brasil e do mundo, como James Joyce (Orgulho e Preconceito), Virginia Woolf (Mrs. Dalloway), Clarice Lispector (principalmente em Perto do coração selvagem) e Guimarães Rosa (especialmente em Grande Sertão: Veredas), apenas para citar os mais famosos.
Voltando ao conceito, fluxo de consciência pode ser caracterizado pelo fluxo de tudo o que se passa no consciente do personagem, podendo conter um pensamento atrás do outro, raciocínios, impressões sobre o momento e associações entre ideias que passam pela cabeça do narrador. Tudo isso de maneira desorganizada, fluindo como o fluxo de um rio que corre sem parar.
O autor que deseja usar o fluxo de consciência pode apresentá-lo em primeira pessoa, contando sobre os pensamentos do protagonista sem interferência nenhuma do narrador. Outra opção é escrever em terceira pessoa, utilizando um narrador onisciente que narra os pensamentos do protagonista podendo interferir com suas próprias reflexões sobre a personagem.
O que é monólogo interior
No monólogo interior, o escritor expõe ideias e pensamentos dentro de um esquema mais organizado, ao contrário do que ocorre no fluxo de consciência. É como se a pessoa estivesse conversando consigo mesma, confessando, pensando em tomar uma decisão ou ainda refletindo sobre algo, dependendo da história que se quer contar.
Existem dois tipos de construções dentro do monólogo interior, o direto, sem a intervenção do autor, e o indireto, com a intervenção do autor. Essa intervenção pode acontecer por meio das aspas ou por palavras como: pensou ele, por exemplo.
Efeitos e vantagens do fluxo de consciência e do monólogo interior
Se entregar ao fluxo de consciência ou ao monólogo interior pode ser uma solução para o famoso e temido bloqueio criativo, que acomete muitos autores pelo mundo afora. Em vez de controlar o processo de escrita, podando ideias antes de finalizar o processo, ou seja, editando antes da hora, o autor pode se deixar levar pelo fluxo de seus pensamentos e escrever o que vem à mente, tornando o texto mais rico e cheio de possibilidades.
É claro que isso não isenta o autor de editar e revisar o texto. Depois de se entregar ao fluxo de consciência ou ao monólogo interior, é hora de lapidar as palavras para criar um texto de qualidade. Combinado?
A grande vantagem do fluxo de consciência para o autor é que, ao se permitir escutar a própria voz, ele cria um canal de acesso ao autoconhecimento e pode encontrar o seu estilo literário mais facilmente.
Para o leitor, o fluxo de consciência exige que ele participe mais intensamente do texto a fim de conseguir compreendê-lo e acompanhar os detalhes, o que, conforme Luiz Paulo Faccioli afirma, pode deixar a leitura um tanto cansativa.
Segundo Faccioli, tanto o fluxo de consciência quanto o monólogo interior são recursos narrativos que exigem muito a participação do leitor, portanto, devem ser usados com parcimônia, principalmente no que diz respeito ao fluxo de consciência. Um conto todo em monólogo interior, por exemplo, funciona bem. Já um conto em fluxo de consciência pode se tornar uma leitura enfadonha. O ideal, segundo o autor, é sempre mesclar essas técnicas com outras num mesmo texto. Ambos os recursos visam a dar um tom mais intimista à narrativa e são poderosos neste sentido.
Como o monólogo interior demanda uma maior organização e estrutura por parte do autor, ainda que continue sendo uma proposta de escrita fluida, a vantagem é exatamente o exercício de exercitar essa capacidade de organizar os pensamentos e a escrita para atingir o objetivo que se tem com aquele texto.
Diferenças entre fluxo de consciência e monólogo interior
Segundo Faccioli, o fluxo de consciência é o que o próprio nome sugere, a simulação do fluxo de pensamento, sem nenhuma organização, exatamente como as ideias surgem na cabeça do narrador. É uma simulação, pois ele ainda demanda uma certa organização para que faça sentido ao leitor, embora o resultado deva refletir o caos do pensamento humano.
Já no monólogo interior, o narrador descreve suas percepções sobre a situação que narra numa espécie de conversa consigo mesmo, através da qual a história vai sendo aos poucos descoberta e revelada. Nesse caso, a narrativa segue uma estrutura convencional.
Por fim, perguntamos a Faccioli se existe alguma técnica para escrever textos com esses recursos. Ele gosta muito de narrar em primeira pessoa e costuma usar o recurso do monólogo interior. A técnica que o autor utiliza é a de soltar o freio e deixar fluir. Depois de escrever, chega a hora de cortar e aperfeiçoar. Mas, segundo ele, é importante seguir livremente a intuição para se obter o desejado tom intimista. No fluxo de consciência, a escrita deve ser ainda mais livre.