A representatividade dos negros não é um assunto novo, mas nunca é demais falarmos a respeito, afinal, dentro ou fora da literatura, ainda temos muito a evoluir e a mudar nesse sentido. Por isso, quanto mais escrevermos e lermos sobre a representação dos negros na literatura contemporânea, mais conscientes e agentes de mudança nos tornamos.
Conversamos sobre o assunto com dois escritores, em seus respectivos lugares de fala, o Carlos Macedo e a Juliane Vicente, que, através das suas respostas, ajudaram a elucidar essa importante questão. Confira:
Como você vê a participação dos negros na literatura contemporânea?
Carlos Macedo: Acredito que estejamos bem longe de uma situação ideal. Se olharmos para premiações, listas de mais vendidos e eventos literários, veremos, majoritariamente, autoras e autores brancos. Não é algo exclusivo do Brasil, mas é especialmente preocupante que isso ocorra em um país onde a maior parte da população é negra.
Juliane Vicente: Acredito que a luta pela representatividade no meio literário é deveras complexa e que há ainda muito a ser feito. De um lado, há inúmeros e talentosos autores que dificilmente chegam às grandes editoras - o que não é inteiramente negativo pois estamos criando também nossos próprios espaços e editoras de modo independente, um movimento necessário e que vem responder a baixa e sub-representatividade dos povos pretos na literatura.
Talvez um dos pontos críticos mais exaustivo diz respeito a demarcar a literatura de pessoas negras como apenas literatura negra. Eu torço muito para um futuro onde autores negros sejam convidados para falar, escrever e debater outros temas que não necessariamente os que atravessam a questão racial.
Na sua opinião, o que é necessário para que exista uma maior representatividade dos negros na literatura
Carlos Macedo: A falta de representatividade negra na literatura é apenas parte de um problema muito maior. O Brasil se vê como um país branco. Sendo assim, a predominância branca nos espaços em que se fala de literatura não causa estranheza. As editoras não parecem ver problema algum em publicar tão poucas pessoas negras. As organizações de eventos, aparentemente, não veem nada de errado em lembrar de autoras e autores negros apenas quando o assunto é relacionado à negritude. Para que haja uma maior representatividade, precisamos mudar esse cenário.
Juliane Vicente: É observável a urgência contemporânea pela revisão de padrões culturais historicamente consolidados, na medida em que há tentativas de inclusão baseadas na diversidade brasileira de autores e obras. No entanto, é necessário partir de um exame mais atento sobre como a questão da autoria tem revelado um mercado editorial que atende a demanda por revisão, sem obrigatoriamente fazer mudanças significativas.
Por exemplo: é cada vez mais comum editoras publicarem antologias e coletâneas com editais que aceitam somente autoras, o que por si só é um movimento admirável. Assim como há chamadas específicas para autoria negra, edições com temáticas focadas na representatividade e até mesmo concursos literários promovidos para reunir autores da terceira idade. Esses exercícios revelam sim um interesse pela diversidade e representatividade para além de um discurso presumido e utopista.
No entanto, na prática, é essencial refletir sobre o quanto esses movimentos, focados em eixos temáticos, podem acabar por confinar mulheres e autoras e autores negros. E ainda ponderar o quanto a inclusão tem repercutido na efetiva transformação do perfil de publicação e consumo literário.
O perfil do escritor brasileiro é um homem branco, de classe média, de acordo com a publicação dos resultados de pesquisa do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília, coordenado pela Profa. Dra. Regina Dalcastagnè.
Esse estudo revelou que os narradores, protagonistas e coadjuvantes, em sua maioria, também são homens, brancos, heterossexuais e de classe média. A etnia dos autores reflete a etnia dos personagens, assim como a orientação sexual e seu estrato socioeconômico. Esses dados ajudam a entender o cenário de exclusão da literatura.
Quais os escritores negros que mais te inspiram e influenciam na sua escrita?
Carlos Macedo: Octavia E. Butler é uma das minhas maiores influências. Fico contente que a obra dela esteja sendo publicada em português para que mais pessoas tenham acesso. Inclusive, Kindred é um livro que sempre recomendo muito, pois acredito que todo mundo deveria ler. Como roteirista, não posso deixar de citar o Marcelo DSalete. Para mim, Angola Janga é um dos maiores quadrinhos já feitos no Brasil.
Juliane Vicente: Acho mais importante citar nomes a serem lidos, pois não necessariamente tenho escritores negros que me influenciam e/ou inspiram, até mesmo porque minhas inspirações e influências vão além da literatura - além de escritora, sou bailarina e pesquisadora de audiovisual. Então, fica a minha dica de escritores negros necessários e indispensáveis: Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Jéferson Tenório, Maya Angelou, Chimamanda Ngozie Adichie e Octavia Butler.